domingo, 28 de agosto de 2011

A implementação do trabalho Batista no Brasil

“O testamento, que diz ao herdeiro aquilo que será legitimamente seu, atribui um passado ao futuro. Sem testamento ou (...) sem tradição – (...) que indica onde se encontram os tesouros e qual é seu valor – tudo indica que nenhuma continuidade no tempo pode ser definida”

ARENDT, Hannah. A crise da cultura. In: Entre passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 1972.


A chegada dos primeiros Batistas ao Brasil se deu durante o Segundo Reinado. O Brasil experimentava um surto de modernização. O café contribuiu para desenvolvimento econômico do país, principalmente no eixo Rio – São Paulo. Nos transportes, as ferroviárias estavam se expandindo para ligar regiões produtoras às cidades portuárias, a fim de facilitar a exportação de mercadorias. Nas comunicações, as redes telegráficas estavam se expandindo pelas províncias e também até a Europa por meio de cabos transoceânicos. Conforme afirmou Boris Fausto, o ano de 1850 foi uma data singular para o país, não assinalou no Brasil apenas a metade do século. Foi o ano de várias medidas que tentavam mudar a fisionomia do país. Para o que seria chamado de modernidade. Extinguiu-se o tráfico de escravos, promulgou-se a Lei de Terras, centralizou-se a Guarda Nacional e foi aprovado o primeiro Código Comercial. (BORIS, 2006)


Essas mudanças estavam diretamente ligadas à expansão capitalista e a produção de café para a exportação. A produção industrial cresceu na segunda metade do século XIX em conseqüência de um enorme impulso na economia mundial. o período de transformação e expansão econômica entre 1848 até o início da década de 1870, marcou a transformação do mundo capitalista e alguns países “desenvolvidos” transformaram-se em economias industriais. Em 1860 o café contribuía com 48,8% das exportações brasileiras.   Era um verdadeiro “boom” econômico.

No plano religioso, o catolicismo era a religião oficial e já estava presente no país a mais de trezentos anos. Conforme asseverou Cavalcanti, o casamento vivido entre a Igreja e o Estado prejudicava o desenvolvimento da devoção religiosa no país. Nesse sentido, é importante registrar que: “O Padroado enfraquece a Igreja Católica durante a maior parte do século XIX. Controlada pelo governo, a Igreja se vê incapaz de manter até mesmo as suas funções mais básicas, como a formação e sustentação de um corpo de clérigos competente, e a catequese eficaz que garanta a pureza ortodoxa e doutrinária no país”. (CAVALCANTI, 2001)

A conseqüência direta do enfraquecimento das funções da Igreja Católica no Brasil foi a mudança no modo de vida religioso brasileiro. Conforme análise de Sérgio Buarque de Holanda, em seu clássico Raízes do Brasil, o Brasil possuía uma religião superficial, não tinha preocupação com o sentido íntimo das cerimônias e dava mais valor ao colorido e à pompa exterior destas festividades, era quase carnal este apego ao concreto. O autor recorreu à impressão de viajantes para reforçar a sua análise. Vejamos.
“A pouca devoção dos brasileiros e até das brasileiras é coisa que se impõe aos olhos de todos os viajantes estrangeiros, [...], Auguste de Saint-Hilaire, que visitou a cidade de São Paulo pela semana de 1822, conta-nos como lhe doía a pouca atenção dos fieis durante os serviços religiosos. [...] nota o pastor Kidder, “quem deseje encontrar, já não digo estimulo, mas ao menos lugar para um culto mais espiritual, precisará ser singularmente fervoroso”.  (HOLANDA, 1995)

Foi nesse contexto religioso que, em 1860, chegou ao Brasil o primeiro missionário, Thomas Jefferson Bowen , nomeado pela Junta de Missões Estrangeiras.
Thomas Jefferson Bowen (1814-1875), foi um missionário que trabalhou na Nigéria com o povo ioruba, pegou malária e por problemas de saúde, voltou aos EUA em 1856. Em 1859 foi nomeado missionário para o Brasil. Fundou uma missão em 21 de maio de 1860, no Rio de Janeiro, como não dominava o português, foi trabalhar com escravos de língua ioruba, como as autoridades temiam uma revolta de escravos, foi perseguido. Como seus problemas de saúde agravaram-se novamente, voltou para EUA, em 9 de fevereiro de 1861. Em seu relatório à Junta colocou o Brasil como um campo no momento inadequado e de alto custo, recomendou que não era o momento de investir no Brasil.

Outra característica importante do período Imperial brasileiro é a política de imigração de D. Pedro II, que permitiu a entrada de vários imigrantes europeus e norte-americanos no Brasil. Os primeiros imigrantes norte-americanos chegaram ao Brasil, a partir de 1865, depois do fim da Guerra de Secessão (1861-1865). Muitos sulistas derrotados resolveram procurar um lugar onde pudessem respirar paz e justiça. A política de imigração do governo de D. Pedro II mostrava-se interessada em receber muitos imigrantes. Muitos vieram para o Brasil e se fixaram em várias regiões do país. Um grupo bem sucedido se estabeleceu na Província de São Paulo, em Santa Bárbara, próximo a Campinas.

Depois de se instalarem na região, estabeleceram a Igreja Batista de Santa Bárbara, em 10 de setembro de 1871, com 23 membros, tendo como pastor o colono Richard Ratchiff.
Richard Ratcliff (1831-1912) Estudou teologia em Bienville, EUA. Ofereceu-se como missionário para a África Central, mas não chegou a ser nomeado. Foi soldado do Sul durante a Guerra de Secessão Americana (1861-1865). Depois da guerra, veio ao Brasil em 20 de maio de 1867, com sua esposa. Foi o primeiro pastor a assumir a direção de uma Igreja Batista no Brasil.

Era uma igreja de língua inglesa, fundada para servir aos colonos, mas entendia a necessidade da pregação do evangelho e não cansou de mandar cartas para Junta de Richmond, pedindo envio de missionários para o Brasil. Ratcliff escreveu esta carta a Junta em 1 de outubro de 1878, falando da importância do Brasil como campo missionário.

“No interesse das Missões Estrangeiras, gostaria de pedir que a Junta encarasse o Brasil, América do Sul, como um campo de muita importância. As recentes mudanças nas leis do país, a respeito da tolerância da Maçonaria Livre, e o estabelecimento dos direitos civis do casamento, são alguns dos frutos do rápido crescimento do Partido Liberal, que deseja a separação da Igreja Romana, do Governo do Império. A maioria da população gostaria de poder libertar-se dos dogmas da Igreja Católica, executando assim, o direito de ter suas próprias opiniões religiosas. Essa população está mais do eu ansiosa de ouvir algo sobre o que qualifica de “Protestantismo”. [...] A Prim. Igr. Batista Missionária em Santa Bárbara, Província de S. Paulo, é composta de pessoas de língua inglesa. A opinião da igreja, conforme já lhe falaram mais de uma vez, é que se a Junta pudesse usá-la como um núcleo ou um setor auxiliar, os resultados espirituais seriam maiores do que os de qualquer outro campo”. (Carta de R. Ratcliff de Minden. La., EUA para FMB 01.10.1878 apud OLIVEIRA, Betty Antunes. Centelha em restolho seco..., op cit.,  p. 449)


Esta carta mostra a clara contribuição da Igreja Batista de Santa Bárbara, ao apelar à consciência missionária dos Batistas do Sul dos EUA. Em meados de 1879 é estabelecida a missão Batista no Brasil. Para melhor atender os colonos foi fundada na atual cidade de Americana, a Igreja Batista da Estação, em 2 de novembro de 1879, com 12 membros.
           
Em 20 de junho de 1880, foi batizado ex-padre católico Antonio Teixeira de Albuquerque, sendo o primeiro batista brasileiro. No mesmo dia foi consagrado ao ministério da Palavra pela Igreja da Estação. O plano das duas igrejas era enviá-lo a Piracicaba para fundar uma igreja e colégio naquela localidade, mas isto não foi possível.

O Brasil havia se tornado notícia nos jornais da Junta de Missões Americana, como campo missionário . O casal de missionários William Buck Bagby e Anne Luther Bagby chegaram ao Brasil em março de 1881 e foram para a igreja de Santa Bárbara, onde passaram algum tempo para aprender a língua e os costumes locais. Bagby foi escolhido como pastor daquela igreja onde trabalhou por 15 meses.


BIBLIOGRAFIA
BORIS, Fausto. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2006, p. 197.

CAVALCANTI, H. B. O Projeto Missionário Protestante no Brasil do Século 19: Comparando a Experiência Presbiteriana e Batista. Revistas de Estudos da Religião – PUC-SP, São Paulo, n. 4, p. 70, 2001.

HOLANDA, Sergio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995, p. 146-151.

OLIVEIRA, Betty Antunes. Centelha em restolho seco: uma contribuição para a história dos primórdios do trabalho Batista no Brasil. São Paulo: Vida Nova, 2005.

Celebração dos 140 anos da Primeira Igreja Batista em Solo Brasileiro

"Nos próximos dias 8, 9 e 10 de Setembro a cidade de Santa Bárbara d’Oeste estará  em festa juntamente com todo povo Batista do Brasil e do Estado de São Paulo. Durante estes três dias, prestaremos cultos de ações de graça ao nosso Deus por ter permitido que chegássemos a este momento histórico." - FONTE: http://www.batistas.com/index.php?option=com_content&view=article&id=773:celebracao-dos-140-anos-da-primeira-igreja-batista-em-solo-brasileiro&catid=16:artigos1&Itemid=42



Durante muito tempo, quando pensávamos em história dos Batistas sempre lembrávamos da Primeira Igreja Batista na Bahia e sua organização em 1882. Em, 2009, durante a CBB, realizada em Brasília, apresentou um parecer sobre o marco inicial:

1. “Que reconheçamos a data de 10 de setembro de 1871 como a data de início do trabalho batista no Brasil, com a organização da Igreja Batista de Santa Bárbara d´Oeste, que gerou a segunda igreja, a Igreja Batista da Estação, em 02 de Novembro de 1879”.
2. “Que reconheçamos a importância da data de 15 de Outubro de 1882 com a organização da Primeira Igreja Batista da Bahia, quando novo impulso foi dado ao trabalho batista no Brasil, para alcançar, com sucesso, os brasileiros”.
Assim, reconhecemos que a inserção do trabalho batista no Brasil se deu por duas vias: a via da imigração (1871) e a via de missão (1882).

Hoje os batistas, estão engajados nessas comemorações, graças ao trabalho da historiadora Betty Antunes, que se preocupou em resgatar a memória histórica da Primeira Igreja Batista de Santa Barbara.

Outro trabalho que vale a pena conhecer, é o lançamento do Pastor Marcelo, O Marco Inicial Batista - Uma discussão historiográfica sobre os primórdios do Trabalho Batista no Brasil. Onde mostra as suas versões e suas discusoes nas assembléias da CBB.